domingo, 25 de setembro de 2011

"Mono Maçã" de Lê Almeida

Site SOMA.AM elogia recente trabalho

Divulgação do site SOMA.AM por Amauri Stamboroski Jr. (publicado em 21.09.2011)

"Um dos melhores discos de rock do Brasil de 2011 é assinado por um garoto morador do subúrbio carioca que durante o dia trabalha consertando malas com o pai. Foi gravado a partir de um Tascam de quatro canais, com uma bateria fincada no quintal de casa, no meio dos varais de roupas, e é influenciado por nomes como Guided by Voices, Pavement e Neutral Milk Hotel.

A descrição acima pode soar como exercício surrealista ou sonho molhado de um indie rocker militante dos anos 90, mas é a mais pura verdade. Depois do EP Révi, de 2009 (e do under-hit “Nunca Nunca”), Lê Almeida finalmente lança seu primeiro álbum solo com Mono Maçã, um delicioso apanhado de 23 faixas – entre canções e cançonetas, herdadas diretamente da tática “não estraga enchendo linguiça no que tá ótimo em trinta segundos” maturada à perfeição por uncle Bob Pollard – que deixaria muito compositor “grande” com inveja.

Se Lê aprendeu as manhas de fazer mais com menos com o líder do GBV, ao mesmo tempo foi além. Enquanto Pollard passou mais de dez anos choramingando “eu sou um puta compositor no meio do nada e ninguém me reconhece”, sua contraparte da Baixada Fluminense arregaçou as mangas e montou a Transfusão Noise Records, gravadora caseira que lança nomes como Carpete Florido, Coloração Desbotada, Tape Rec, Uma Nova Orquídea em Meu Jardim Psicodélico e Babe Florida – todos projetos suburbanos de “roque de guitarra”, como prefere definir Lê.

Correndo por fora da ignorância ativa dos circuitos mais prestigiados – seja a Zona Sul carioca ou o "Baixo Augusta" paulistano – Lê ajudou a fomentar uma cena que vive à base de prensagens caseiras e shows em botecos, motoclubes e onde mais houver uma tomada disponível. Com a perseverança, furou o bloqueio e lançou seu novo disco até na Grã-Bretanha – pela mini Weepop Records – e ainda descolou uma parceria com a Vinyland para prensar umas tantas centenas de cópias em vinil do álbum.

Gestado ao longo de dois anos, Mono Maçã é uma aula básica de como grudar em ouvidos alheios sem parecer se esforçar muito. A taxa de assobiabilidade de faixas como “Má Bike Pt 1”, “Jamais Saberei dos UFOS” e “Bike Never Die” é inversamente proporcional à duração das mesmas, “desperdiçando” boas ideias em quase-vinhetas num exercício de desprendimento melódico. Por outro lado, composições que ultrapassam a barreira dos três minutos, como “Amigo Comprimido” e a pavementiana “Por Favor Não Morra” mostram que Lê tem talento para ir longe e além da escola Pollard de micro-canções.

A sonoridade lo-fi, comprimida, dita a fluidez do álbum, engolindo todas as faixas num oceano de fuzz e ruído, com disparos ocasionais de guitarras ao contrário – como na homenagem “Marcha dos 6 Elefantes” – reverbs, phases e outros efeitos disponíveis à mão. Enterrada em toda a mixagem, a voz de Lê Almeida entrega uma dicção peculiar, que tenta aproximar o português brasileiro do embromation que caracterizou grande parte da produção do indie rock nacional na década de 90 – se soubessem que dava para cantar assim, as bandas de “guítar” da época poderiam poupar muitas vergonhas posteriores contabilizadas em pronúncias bizarras e construções gramaticais ininteligíveis. Além das ocasionais e muito bem-vindas odes à bicicleta e indagações ufológicas, as letras passeiam por um universo onírico próprio, com palavras inventadas e imagens borradas. Mas há um fator diferencial importante nisso: para Lê, a psicodelia é passeio, recreação, no lugar do mergulho e da descoberta mais corriqueiros à obras deste escopo. Como se uma viagem de ácido fosse mais um domingo no parque de diversões do que uma investigação das profundezas da alma humana. Só que é nesse descompromisso que os segredos podem se esconder, basta ouvi-los com a devida falta de atenção".

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