Saiu apressado de casa, mas fez questão de pegar os óculos em cima da
mesa. “Tchau mãe”, disse ele, sem escutar a resposta da mãe.
Batom brilhante nos lábios, uma rápida olhada no espelho e um pouco de
perfume. O pai a deixa no ponto de ônibus. Ela sai apressadamente enquanto
houve um: “Boa aula, filha”.
-
Esqueci o guarda-chuva – pensa ele enquanto caminha pela neblina.
- Tomara que tenha um banco para sentar -
pensa ela enquanto se dirige à condução.
Chove bastante, faz frio e ele corre para alcançar o lotação. Ele sobe,
passa pela roleta, senta à esquerda. Ela segura, puxa para o peito. Olha pela
janela. Ele suspira, olha para os lados. Olha para ela, que o vê pelo reflexo
do vidro.
*
Viram-se pela primeira vez no ônibus. Ambos estavam voltando naquela
manhã fria de segunda-feira de volta às aulas da faculdade. Ele, rapaz novo, louro, torcedor do Grêmio,
inexperiente no amor, trazia muito rock no MP3 e livros de História debaixo do
braço. Ela, moça graciosa, cabelos compridos e lisos, morena de olhos puxados
com seu perfume adocicado, brincos brilhantes e sombrinha na mão, já tinha tido
um relacionamento sério no Ensino Médio e agora era caloura em Direito.
Os olhares se encontraram mais uma vez. Um leve sorriso de ambos
precedido de um “oi” tímido dela.
-
Que chuvinha! O que tá ouvindo? - perguntou ele.
-
Tchê Garotos! Gosta?
-
É... claro! Tri-legal! – Nossa, se ela soubesse que eu tô ouvindo Engenheiros
do Hawaii, pensou.
E
continuaram a conversar enquanto ouviam Tchê Garotos e Engenheiros em seus, MP3
o dele, e MP7, o dela. História, Direito. Destro, canhota. Zona Sul, Centro.
Em frente ao campus se despediram. Ela, de longe avistou as amigas. Ele
não sabia o que dizer, mas emendou:
-
Vai ver o Grenal? – E ela fez que “sim” com a cabeça enquanto corria em direção
às colegas. E ele a cuidava de longe. Lindinha. 19 aninhos, talvez 18. Virgem?
Talvez. Mas duas coisas ele tinha certeza: estava apaixonado e não sabia o nome
dela.
-
Capaz guri, que tu esqueceu de perguntar o nome dela! Assim me cai os butiá do
bolso! – Disse o amigo Ricardo insistindo. – Só tu mesmo piá! Primeiro dia de
aula e me perde uma oportunidade dessas... Toma um mate pra esquentar –
ofereceu.
*
Dois
dias se passaram lentamente. O gremista não encontrara mais o amor de sua vida.
Mas era quarta-feira – e esperava encontrá-la logo pela manhã. Acordaria bem
mais cedo e se fosse necessário esperaria a manhã toda no ponto de ônibus.
Perderia aula. Ficaria sem comer. Passaria por todo o quarteirão. Iria de casa
em casa perguntando sobre uma morena de olhos puxados que gostava de “tchê music”
e fazia faculdade de Direito.
A
barriga roncava. A chuva caía com vontade. Ventava gelado. Ele quase sozinho no
ponto de ônibus se não fosse um cachorro perdido enrolado sob o banco de
cimento. Sua mente viajava naquele momento vazio. Ainda ouvia a voz da moça.
Seus olhos fixados em um ponto no horizonte. E despertou.
*
Foi sozinho para o jogo. Comprou o ingresso pela internet dias antes.
Era a final do Campeonato Gaúcho de Futebol de 2010. Tentaria se divertir,
esquecer o amor de sua vida. Só que algo aconteceu.
Na entrada para o estádio viu a rapariga. Gritou, chamou, gesticulou,
ela o viu. E se encontraram. Abraços, beijos no rosto. E para sua surpresa, ela
o convidou para ver o jogo... mas na torcida do Internacional! Ele suou frio.
Não sabia o que dizer. Ficou sem direção. Sorte que não tinha ido com a camisa
do Grêmio. Engoliu a seco. Disse sim e estendeu a mão. Ela o puxou para dentro
do estádio.
Era noite, tempo fechado. Muitas pessoas, torcedores fanáticos. Cornetas
e apitos. Confusão, tumulto, briga. Copos e garrafas para o alto. A Brigada Militar
a cavalo. Cassetetes e gritos para todos os lados. Ficou com medo de perder seu
amor. Batidas cardíacas aceleradas, frio no coração, suor gelado. Enfim,
chegaram dentro do estádio.
*
O
jogo começou com um pouco de atraso. Ele procurava as palavras certas a serem
ditas. Esperava a hora certa. Esperava, escolhia, esperava, pensava, suava.
Pressão do Inter. Defesa do goleiro. Bola na trave! Expulsão do capitão do
Grêmio... Veio o segundo tempo. A mente longe. Não sabia ainda o que falar.
“Ela é linda”, pensou. Estava toda feliz. Perfumada, graciosa. E como seria o
primeiro beijo? Será que ela beijava bem? E as mãos, se encaixariam? E o sexo?
Será que queria ter filhos?
A
partida foi para os acréscimos, e então, gol do Inter. Do atacante, de cabeça.
Fernandão após escanteio. Ela pulava e todos cantavam o hino do Inter e
entoavam o grito de campeão. “- É! Campeão! É! Campeão!”. Sem graça ele
balançava os braços. Pensou em roubar um beijo dela. Mas não deu. Ela se virou
e abraçou outros torcedores.
*
Fora do estádio o movimento era lento. Muito congestionamento. Deveriam
seguir em direção ao metrô mais próximo. Bem, pelo menos esse era seu plano.
Não havia falado nada o jogo inteiro. Era muito barulho. Todo mundo gritando e
cantando. Levou um esbarrão e um susto. Uma guria alta, loura, com um piercing
na sobrancelha.Parecia uma modelo tipo interacional. Cabelo estilo channel e com a camisa branca do Inter.
-
Carlaaa!
-
Jéssicaaa!
-
Não te encontreeeei menina!
-
É campeão!!!! É campeãoooo!!!
-
Deixa eu te apresentar meu amigo...
-
Sou o Pedro, prazer!
-
Pedro, essa é Jéssica, minha namorada.
O mundo parou. Abaixou a cabeça. E virou as costas. Tudo ficou mudo, parado à sua volta. Tirou a camisa. Ventava e garoava. Não olhou para trás. Tirou os tênis. E saiu correndo pela chuva. Chorava, ria. Dava gargalhadas... Não acreditaria mais em amores. Até que cansou... Parou. Olhou para o alto. Sorriu... Lembrou-se que a derrota não é pra sempre, e que um dia, "o Grêmio vai sair campeão. Vai sair campeão! Vai sair, campeão".
- Nota do autor: O termo Grenal erroneamente
também é grafado da forma Gre-Nal. Porém, segundo alguns escritores, a grafia correta
é a forma utilizada no título do conto.
- Autor: Giovanni
Nogueira - 2009 - 4º lugar - Menção Honrosa Academia Santo Angelense de Letras
- RS