segunda-feira, 11 de abril de 2016

Conto: Amor Grenal


     Saiu apressado de casa, mas fez questão de pegar os óculos em cima da mesa. “Tchau mãe”, disse ele, sem escutar a resposta da mãe.
     Batom brilhante nos lábios, uma rápida olhada no espelho e um pouco de perfume. O pai a deixa no ponto de ônibus. Ela sai apressadamente enquanto houve um: “Boa aula, filha”.
     - Esqueci o guarda-chuva – pensa ele enquanto caminha pela neblina.
     - Tomara que tenha um banco para sentar - pensa ela enquanto se dirige à condução.
     Chove bastante, faz frio e ele corre para alcançar o lotação. Ele sobe, passa pela roleta, senta à esquerda. Ela segura, puxa para o peito. Olha pela janela. Ele suspira, olha para os lados. Olha para ela, que o vê pelo reflexo do vidro.

*

     Viram-se pela primeira vez no ônibus. Ambos estavam voltando naquela manhã fria de segunda-feira de volta às aulas da faculdade.  Ele, rapaz novo, louro, torcedor do Grêmio, inexperiente no amor, trazia muito rock no MP3 e livros de História debaixo do braço. Ela, moça graciosa, cabelos compridos e lisos, morena de olhos puxados com seu perfume adocicado, brincos brilhantes e sombrinha na mão, já tinha tido um relacionamento sério no Ensino Médio e agora era caloura em Direito.
     Os olhares se encontraram mais uma vez. Um leve sorriso de ambos precedido de um “oi” tímido dela.
     - Que chuvinha! O que tá ouvindo? - perguntou ele.
     - Tchê Garotos! Gosta?
     - É... claro! Tri-legal! – Nossa, se ela soubesse que eu tô ouvindo Engenheiros do Hawaii, pensou.
     E continuaram a conversar enquanto ouviam Tchê Garotos e Engenheiros em seus, MP3 o dele, e MP7, o dela. História, Direito. Destro, canhota. Zona Sul, Centro.
     Em frente ao campus se despediram. Ela, de longe avistou as amigas. Ele não sabia o que dizer, mas emendou:
     - Vai ver o Grenal? – E ela fez que “sim” com a cabeça enquanto corria em direção às colegas. E ele a cuidava de longe. Lindinha. 19 aninhos, talvez 18. Virgem? Talvez. Mas duas coisas ele tinha certeza: estava apaixonado e não sabia o nome dela.
     - Capaz guri, que tu esqueceu de perguntar o nome dela! Assim me cai os butiá do bolso! – Disse o amigo Ricardo insistindo. – Só tu mesmo piá! Primeiro dia de aula e me perde uma oportunidade dessas... Toma um mate pra esquentar – ofereceu.

*

     Dois dias se passaram lentamente. O gremista não encontrara mais o amor de sua vida. Mas era quarta-feira – e esperava encontrá-la logo pela manhã. Acordaria bem mais cedo e se fosse necessário esperaria a manhã toda no ponto de ônibus. Perderia aula. Ficaria sem comer. Passaria por todo o quarteirão. Iria de casa em casa perguntando sobre uma morena de olhos puxados que gostava de “tchê music” e fazia faculdade de Direito.
     A barriga roncava. A chuva caía com vontade. Ventava gelado. Ele quase sozinho no ponto de ônibus se não fosse um cachorro perdido enrolado sob o banco de cimento. Sua mente viajava naquele momento vazio. Ainda ouvia a voz da moça. Seus olhos fixados em um ponto no horizonte. E despertou.

*

     Foi sozinho para o jogo. Comprou o ingresso pela internet dias antes. Era a final do Campeonato Gaúcho de Futebol de 2010. Tentaria se divertir, esquecer o amor de sua vida. Só que algo aconteceu.
     Na entrada para o estádio viu a rapariga. Gritou, chamou, gesticulou, ela o viu. E se encontraram. Abraços, beijos no rosto. E para sua surpresa, ela o convidou para ver o jogo... mas na torcida do Internacional! Ele suou frio. Não sabia o que dizer. Ficou sem direção. Sorte que não tinha ido com a camisa do Grêmio. Engoliu a seco. Disse sim e estendeu a mão. Ela o puxou para dentro do estádio.       
     Era noite, tempo fechado. Muitas pessoas, torcedores fanáticos. Cornetas e apitos. Confusão, tumulto, briga. Copos e garrafas para o alto. A Brigada Militar a cavalo. Cassetetes e gritos para todos os lados. Ficou com medo de perder seu amor. Batidas cardíacas aceleradas, frio no coração, suor gelado. Enfim, chegaram dentro do estádio.

*

     O jogo começou com um pouco de atraso. Ele procurava as palavras certas a serem ditas. Esperava a hora certa. Esperava, escolhia, esperava, pensava, suava. Pressão do Inter. Defesa do goleiro. Bola na trave! Expulsão do capitão do Grêmio... Veio o segundo tempo. A mente longe. Não sabia ainda o que falar. “Ela é linda”, pensou. Estava toda feliz. Perfumada, graciosa. E como seria o primeiro beijo? Será que ela beijava bem? E as mãos, se encaixariam? E o sexo? Será que queria ter filhos?
     A partida foi para os acréscimos, e então, gol do Inter. Do atacante, de cabeça. Fernandão após escanteio. Ela pulava e todos cantavam o hino do Inter e entoavam o grito de campeão. “- É! Campeão! É! Campeão!”. Sem graça ele balançava os braços. Pensou em roubar um beijo dela. Mas não deu. Ela se virou e abraçou outros torcedores.

*

     Fora do estádio o movimento era lento. Muito congestionamento. Deveriam seguir em direção ao metrô mais próximo. Bem, pelo menos esse era seu plano. Não havia falado nada o jogo inteiro. Era muito barulho. Todo mundo gritando e cantando. Levou um esbarrão e um susto. Uma guria alta, loura, com um piercing na sobrancelha.Parecia uma modelo tipo interacional. Cabelo estilo channel e com a camisa branca do Inter.
     - Carlaaa!
     - Jéssicaaa!
     - Não te encontreeeei menina!
     - É campeão!!!! É campeãoooo!!!
     - Deixa eu te apresentar meu amigo...
     - Sou o Pedro, prazer!
     - Pedro, essa é Jéssica, minha namorada.

     O mundo parou. Abaixou a cabeça. E virou as costas. Tudo ficou mudo, parado à sua volta. Tirou a camisa. Ventava e garoava. Não olhou para trás. Tirou os tênis. E saiu correndo pela chuva. Chorava, ria. Dava gargalhadas... Não acreditaria mais em amores. Até que cansou... Parou. Olhou para o alto. Sorriu... Lembrou-se que a derrota não é pra sempre, e que um dia, "o Grêmio vai sair campeão. Vai sair campeão! Vai sair, campeão".

  

- Nota do autor: O termo Grenal erroneamente também é grafado da forma Gre-Nal. Porém, segundo alguns escritores, a grafia correta é a forma utilizada no título do conto.

- Autor: Giovanni Nogueira - 2009 - 4º lugar - Menção Honrosa Academia Santo Angelense de Letras - RS